É grande, mas vale a leitura! Entrevista feita há poucos dias com o técnico do Avaí:
Silas.
Basta pronunciar esse nome bíblico que o torcedor do São Paulo se assanha. Lembra do sensacional time de garotos montado por Cilinho na década de 80.
O clube do Morumbi vivia dificuldades financeiras e teve de apostar na mistura de jovens promessas, apelidadas de Menudos, com jogadores rodados, vividos.
E deu certo: Muller, Silas e Sidney se juntaram a Careca, Pitta, Dario Pereyra e fizeram história. O auge foi a conquista do Brasileiro de 1986.
Depois, cada um seguiu o seu rumo. Silas foi presença constante na Seleção Brasileira e esteve nos Mundiais de 86 e 90.
Juntou seu futebol moderno, objetivo com o bem relacionado empresário Juan Figer e fez o mundo. Teve uma carreira estável em bons times no Exterior, quando isso era raro.
Atuou no Sporting de Portugal; Cesena, Sampdoria da Itália; na Argentina, defendeu o San Lorenzo; no Japão, jogou pelo Kashiwa Reysol e Kyoto Purple.
No Brasil,além do São Paulo, no Brasil esteve no Inter, Vasco, Atlético Paranaense, Portuguesa.
Ganhou títulos, prestígio, dinheiro. Usufruiu.
Agora chegou a hora do 'perrengue'. Na evolução, seu carma exigia que viesse a ser técnico. Com todos os altos e baixos que a profissão traz.
Aos 43 anos e no início de carreira, ele já conseguiu uma façanha. Depois de rápida passagem no Fortaleza, ele desembarcou em Santa Catarina. Assumiu o Avaí no ano passado.
E, depois, de 29 anos, conseguiu levar o time da Série B para a elitizada Série A do Campeonato Brasileiro. Quase virou santo.
Leal ao seu contrato que termina no final de 2009, recusou sondagem do Santos e da Portuguesa, propostas do Vitória, Guarani, Ponte Preta, Barueri. Quase virou estátua.
Agora o Avaí pena para se recuperar da ressaca da classificação para a Série A do Brasileiro e faz campanha apenas razoável no Catarinense. Já tomou as primeiras pedradas.
Silas sabe que está sendo batizado. Às 7h45, antes do treino da manhã, ele deu exclusiva ao blog. Engoliu o café da manhã. Quem mandou ser técnico no Brasil?
Você poderia estar sossegado, ter uma vida tranqüila até financeiramente. Sua carreira como jogador permitiria. Como é ser treinador?
É preciso ter estômago, ser forte.
É uma profissão dura demais. Solitária. Você tem de liderar 40 pessoas de personalidade diferentes. Unir todas na direção de um objetivo. Sofrer pressão, críticas destrutivas de quem não acompanha o dia-a-dia e nem imagina o que acontece. Não sabe se você treinou de uma maneira a equipe e um jogador fundamental acordou indisposto e te obriga a mudar todo o esquema. Sei que tudo isso faz parte do pacote, não é fácil. Mas eu enfrento porque acredito no meu trabalho, no projeto que traço para um clube.
Você sempre foi um jogador sério, determinado. Isso ajuda a enfrentar as pressões como treinador?
Sim. Eu me casei com 22 anos.
Tenho 21 anos de casado. Sempre soube o que queria na minha vida. Dormia no Morumbi quando comecei. Poderia ir morar fora, mas morava embaixo da arquibancada do estádio. Qualquer pessoa do mundo pode fazer o que quiser até as 11 horas da noite, horário que eu tinha de voltar para dormir. Sempre fui regrado. Guardei muito mais do que gastei. O fundamental na vida é saber o que você quer e seguir, sem se desviar do rumo, para alcançar. É preciso fazer planos e executá-los na vida.
Quais foram as suas influências?
Primeiro tudo o que vivi como o jogador.
Que foi muito. Nos clubes, na Seleção Brasileira. Depois fiz uma mistura boa: o cuidado com os detalhes do Cilinho, a preocupação com a técnica que ele sempre teve e a juntei com o jeito metódico do técnico italiano Marcelo Lippi. Ele nunca abriu mão do plano tático, com o seu projeto de trabalho. E a seriedade acima de tudo. Da Argentina eu trouxe a importância de tirar tudo do seu estádio. Em casa não é para perder. Saber fazer uma união com a torcida. E deu certo. O Avaí não perde em casa há mais de um ano. Não perdeu nenhuma partida no nosso estádio na série B. O meu trabalho junta tudo isso.
Como você trabalhou para o Avaí subir para a Série A? Todos estavam falando do Corinthians e outros times...
Foi isso mesmo.
Eu aproveitei o fato de o nosso time não ser badalado, ninguém comentava ou esperava que o Avaí subisse. A pressão estava nos outros clubes, mais tradicionais, mais ricos. Não vou negar: o futebol de Santa Catarina ainda está um degrau abaixo dos grandes centros por questões financeiras. Eu tratei de manter o grupo de jogadores comprometidos. Vários tiveram oferta para sair no meio do ano enquanto estávamos na Série B. Tiveram propostas para a Série A e times do Exterior. Fui claro com eles: usei até a minha experiência como jogador. Falei: "não saiam agora. Vocês estão investindo nas suas carreiras. Com o time subindo vocês poderão pedir muito mais dinheiro no final do ano". Eles acreditaram em mim. O time subiu, eles se valorizaram e alguns jogadores saíram ganhando bem mais do que se tivessem ido embora no meio do ano e com moral.
Esse foi o momento bom. E o que está acontecendo com o Avaí agora? O time foi apenas sexto no primeiro turno catarinense. No domingo perdeu do Chapecoense por 5 a 1. E aí, Silas?
É o outro lado da moeda.
O Bernardinho da Seleção Brasileira de Vôlei definiu bem: é a armadilha do sucesso. Depois de uma grande conquista, a tendência humana é relaxar. Você pode cobrar, explicar, insistir, trocar jogador. É uma coisa que paira no ar. E só aos poucos vai embora. O time foi mal no primeiro turno, estava melhorando no segundo, estamos em terceiro, mas veio essa chacoalhada do Chapecoense. Vamos reagir. É um momento difícil, mas eu tenho de ser forte. Acreditar no meu projeto. Seria fácil virar as costas e sair por cima, como alguns amigos meus sugeriram, mas o que é sair por cima? Abandonar um projeto? Eu não vou ser esse tipo de técnico. Vou ficar. E fazer esse time voltar a jogar o que pode.
Mas recusar Santos, Vitória, Portuguesa, Guarani, Ponte Preta não é deixar de crescer?
Tudo tem seu tempo.
Sou uma pessoa leal. Tenho meu contrato, a diretoria do Avaí fez um projeto. Vamos contratar jogadores importantes para disputar a Série A. Atletas não trocaram de clubes para continuar comigo. O time vai crescer no Catarinense, vai brigar pela ponta. Como é que eu vou abandonar tudo na primeira dificuldade? Segui a minha consciência e meu plano de trabalho. Vou ficar no Avaí e ter a satisfação de manter o time na Série A do Brasileiro. A permanência será importantíssima para que em dois ou três anos o clube se torne uma força nacional. Não me arrependo de te dito não a outros clubes. Meu momento é aqui no Avaí.
O fato de ter sido um dos primeiros atletas de Cristo e hoje treinador evangélico o faz diferente?
Não.
E não quero que as pessoas me encarem assim. Tenho a minha fé e tenho a minha profissão. Como diz o Ricardo Rocha: "Conhaque é conhaque. E conhaque é conhaque". Ou seja: cada coisa é bem diferente da outra. Eu posso ter uma visão diferente. Não preciso gritar, humilhar ninguém para cobrar. O Cuca foi treinador do Avaí e quando perdia um jogo fazia a equipe treinar no dia seguinte às 6 da manhã. Acredito que isso não adianta nada. Não é assim que se lida com os outros. Dou dura e firme quando precisa. Fui jogador e se que sem duras o time não anda. Mas eu respeito a outra pessoa. A minha formação me dá base para ser exigente ao extremo sem ter de humilhar. Os jogadores sabem muito bem disso e me respeitam. Não pela minha fé, minha convicção fora do futebol, mas como treinador. E eu continuo com a minha fé e a vida segue. O que sinto é que estou crescendo como treinador e como pessoa.
E este lado folclórico do Avaí ser conhecido nacionalmente apenas como o time do Guga?
Isso é uma distorção.
O Avaí tem uma história importante e merece ser reconhecido como um grande clube brasileiro. E ser o time do Guga é um privilégio. As pessoas não param para analisar com calma. Ele foi um dos grandes gênios da história do esporte mundial. Um brasileiro número um do tênis. É um absurdo o que ele conseguiu. E a visão que se tem de fora, de que ele seja uma pessoa inatingível é bobagem. Ele vem aqui no Avaí de chinelo e bermuda torcer. E de vez em quando passa a tarde jogando dominó com funcionários do Avaí. Só no Brasil acontece situações assim.
Você fica no Avaí até quando?
Meu contrato vai até o final do ano.
Vou cumprir o meu contrato. E trabalhar muito pelo Avaí. Não quero me desviar do projeto que traçamos aqui. Podemos estar em um momento difícil.
Mas também sei que vamos passar por ele. O Avaí está crescendo como clube, seguindo um projeto ousado que vai mudar sua história.
E eu estou criando casca como técnico.
Tenho muito o que crescer. Mas com calma, planejamento. Sem abandonar projetos no meio. Não sou assim.
Nota do Blog: Se eu já tinha admiração pelo Silas, agora depois de ler esta entrevista, passei a respeitá-lo e admirá-lo cada vez mais.
Essa entrevista também me deu mais confiança para o Catarinense e para a Série A!
Valeu Silas!!
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